domingo, 1 de maio de 2011

Auto-retrato português (Miguel Torga)

Nesga humana de um grande mapa humano,
Aqui, a ocidente e ao sol, dormito;
O manto do infinito
Veste-me a pequenez;
E o mar cerúleo, aberto à milha ilharga,
Alarga
O meu nirvana azul de português.

Rei que renunciou, cansado,
Ao ceptro da aflição,
Digo não,
Digo sim,
Com igual abandono...
Tão distante de mim
Como do trono...

Vivi antes da hora o que vivi.
E, agora, vegeto,
Feliz de nada ser,
De nada desejar,
E de nada sentir,
Agradecido ao mar de nunca me acordar,
E agradecido ao céu de sempre me cobrir.

                                        Miguel Torga

Auto-retrato (Bocage)

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão de altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

                                        Bocage

Dia da Mãe