domingo, 12 de junho de 2011

"A Poesia Vai", de Manuel António Pina

          A poesia vai acabar, os poetas
          vão ser colocados em lugares mais úteis.
          Por exemplo, observadores de pássaros
          (enquanto os pássaros não
          acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
          entrar numa repartição pública.
          Um senhor míope atendia devagar
          ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
          poeta por este senhor?» E a pergunta
          afligiu-me tanto por dentro e por
          fora da cabeça que tive que voltar a ler
          toda a poesia desde o princípio do mundo.
          Uma pergunta numa cabeça.
          – Como uma coroa de espinhos:
          estão todos a ver onde o autor quer chegar? –

                                        Poesia, Saudade da Prosa – uma antologia pessoal