terça-feira, 11 de junho de 2019

Análise da esparsa "Os bons vi sempre passar"

Este poema é da autoria de Luís Vaz de Camões, poeta renascentista português que viveu no século XVI e cuja data e local de nascimento são ainda uma incerteza. Pensa-se que terá sido em Lisboa entre 1524 e 1525 e que morreu no dia 10 de junho de 1580. O texto é uma esparsa (composição poética de uma única estrofe, sem refrão, cujo tema abordado assume um tom satírico e melancólico) e pertence à influência tradicional onde Camões utiliza a medida velha, versos de redondilha, neste caso de sete sílabas métricas (redondilha maior).
Nesta composição, é abordado o tema do Desconcerto do Mundo e, quanto ao assunto , o sujeito poético apresenta uma visão pessoal sobre o mundo, caracterizando-o como injusto e arbitrário e exemplificando a sua reflexão com o seu caso pessoal.
Este poema é composto por uma única estrofe de dez versos (décima ) em redondilha maior (versos de sete silabas). O esquema rimático é ABAABCDDCD , sendo a rima cruzada no primeiro e terceiro versos e no oitavo e décimo; emparelhada no terceiro e quarto versos e no sétimo e oitavo. No segundo e quinto versos, a rima é interpolada, assim como no sexto e nono. A rima é pobre , pois as palavras que rimam pertencem à mesma classe gramatical, por exemplo “ passar “ ,“ espantar” e” louvar”, que são verbos.
O poema divide-se em duas partes. Na primeira parte , constituída pelos versos 1 a 5, o sujeito poético constata a injustiça do mundo, já que os maus são premiados e os bons são castigados. Na segunda parte, constituída pelos versos 6 a 10, o sujeito poético confessa que decidiu mudar o seu comportamento, tornando-se “mau”, mas foi castigado, já que para ele o mundo está “concertado”.
Ao longo do poema, o sujeito poético analisa a sociedade, estabelecendo uma antítese entre os “Bons”, pautados pela honestidade, lealdade, sinceridade , integridade e esforço, e os “Maus”, caracterizados pela desonestidade, mentira, falsidade, hipocrisia e oportunismo. Contudo, ele constata que os “Bons” passam graves tormentos, dificuldades e necessidades, levando uma vida dolorosa e triste, o que causa admiração, angústia, desilusão e pessimismo no sujeito poético. Os “Maus” vivem satisfeitos, levando uma vida alegre e feliz, o que causa no sujeito lírico indignação e perplexidade, pois aqueles deveriam ser castigados, punidos pelos seus atos e não o são. O sujeito poético pertence a esta sociedade que ele descreve e analisa, sendo ao mesmo tempo testemunha e vítima do desconcerto e da injustiça. Podemos comprovar com a utilização ao longo do poema da primeira pessoa do singular em formas verbais (“vi” e ”fui”) e em pronomes (“mim” e “me”). Nos versos 4 e 5 (“os maus vi sempre nadar / em mar de contentamentos”), está presente a hipérbole, que evidencia o espanto e a perplexidade do sujeito poético ao testemunhar o facto de os maus serem recompensados, o que constitui uma grande injustiça. A repetição da expressão “vi sempre passar” (versos 1 e 4) exprime a ideia de que o sujeito poético observou, pessoalmente, os acontecimentos ao longo do tempo. Por outro lado, permitiu-lhe constatar que não compensava ser “bom”.
Assim, no verso nove, o sujeito poético conclui a sua reflexão (“Assi que“), constatando que a sociedade em que vive é de tal modo injusta que premeia os maus comportamentos e castiga todos os que se regem pelos verdadeiros valores, não obtendo ele privilégios nenhuns ao tornar-se como os outros, pois, para ele, o mundo é justo.
Neste poema, o sujeito poético critica a injustiça, o desconcerto, a arbitrariedade e a mentira dos “maus”, que são premiados.
Em conclusão, podemos salientar que esta esparsa é um balanço dos tempos de grande incerteza em que Camões vivia, nos quais, a par das desigualdades, o desejo de Justiça permanecia, gerando entre as gentes, se não revolta, pelo menos a perplexidade da sua existência.



Trabalho da autoria de Francisco Alvarenga, aluno n.º 25, do 10.º A/B