Trazido a este mundo por Vergílio Ferreira na década de 60 do século passado, o livro Manhã Submersa continua, hoje, a encantar muitos leitores. Editado pela Bertrand, fala-nos de António Lopes, de alcunha "O Borralho", que se despede da sua infância ao longo do texto, desde o momento em que entra até que sai do seminário.
Vergílio Ferreira retrata perfeitamente a vida no seminário ao longo do livro, desde a dureza do quotidiano até à impura inocência que predomina no ambiente onde António estuda.
O protagonista é um rapaz que não pertence à classe média, nem à classe pobre, pois situa-se abaixo de ambas; faz parte dos "Borralhos", uma família de alcoólicos, mas em nada se lhes assemelha. Acaba por ser acolhido por uma senhora da classe alta que o educa severamente e que, a todo o custo, o quer ver ser padre.
Ao chegar ao seminário, depara-se com uma nova realidade, marcada pela existência de apenas dois amigos, que acabam por o abandonar. Vive então a dura vida de um seminarista, regida pelas leis impostas pelos padres e por um reitor, cuja ternura das palavras carrega uma crueldade intrínseca e escondida que fará António mudar para sempre, deixando-lhe marcas na personalidade que nunca sararão e manterão vivo um fogo que lhe permite sobreviver aos anos de solidão e dor.
Esta obra é interessantíssima, visto que retrata a vida num seminário em décadas passadas. Lê-se num sopro, tal como os contos a que o autor já nos habituou, e sumaria todos os aspectos da vida de uma criança que está a entrar na adolescência e a quem são renegados os afectos indispensáveis, além da descoberta sexual característica desta idade. Vergílio Ferreira faz com que cinquenta páginas pareçam duas. Toda esta panóplia de acontecimentos, submersos, tal como a manhã do título, surge embrulhada numa escrita semelhante à da velha guarda, mas que revela ser mais «avant-garde» do que muitas formas de escrita ditas pós-modernas.
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