quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Carta de amor de Fernando Pessoa a Ofélia Queirós

     Bebé fera:

     Peço desculpinha de a arreliar. Partiu-se a corda do automóvel velho que trago na cabeça, e o meu juízo, que já não existia, fez tr-tr-r-r-r-...
     Logo a seguir a telefonar-lhe, estou a escrever-lhe, e naturalmente telefonarei outra vez, se lhe não faz mal aos nervos, e naturalmente será, não a qualquer hora, mas à hora em que lhe telefonarei.
     Gosta de mim por mim ser mim ou por não? Ou não gosta mesmo sem mim nem não? Ou então?
     Todas estas frases, e maneiras de não dizer nada, são sinais de que o ex-Ibis, o extinto Ibis, o Ibis sem concerto nem gostosamente alheio, vai para o Telhal, ou para Rilhafolles, e lhe é feita uma grande manifestação à magnífica ausência.
     Preciso cada vez mais de ir para Cascais - Boca do Inferno mas com dentes, cabeça para baixo, e fim, e pronto, e não há mais Ibis nenhum. E assim é que era para esse animal ave esfregar a fisionomia esquisita no chão.
     Mas se o bebé desse um beijinho, o Ibis aguentava a vida um pouco mais. Dá? - Lá está a corda partida r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-

Fernando a valer

9.10.1929

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