«Um desenho que ilustra as actividades do Manifesto em Defesa da Cultura é todo um tratado simbólico do pensamento sobre a "coisa". Há dois glutões armados de dentes e ferrões, com vários olhos, que atacam uma menina indefesa que cai de alto, com os seus longos cabelos, a dita "cultura". "Acorrei que matam a cultura!!!", nem mais nem menos do que com três pontos de exclamação. O texto do Manifesto de Dezembro de 2011 revela bem a imbricação desta "cultura" com a burocracia governamental, nele se refere o PRACE, o PREMAC, o INOVART, o ICA, a DG Artes, todos os acrónimos usados com o à-vontade de quem conhece bem estes meandros do Estado. O Manifesto é um longo e palavroso exercício dominado pelo dinheiro "não mercantil", ou seja, o do Estado, o célebre 1% no Orçamento para a "cultura". Dinheiro e o modo burocrático como é concedido são as preocupações fundamentais: "Destruição e perversão do princípio de serviço público; estrangulamento financeiro; desmantelamento, redução e desqualificação de serviços; centralização e agregação burocrática de instituições; mercantilização: as políticas de agressão à Cultura seguidas pelos últimos governos criaram uma situação insustentável". A preocupação não se afasta nunca do Estado. Repare-se que não se trata de uma queixa contra a censura, contra perseguições a artistas individuais pelo que fazem ou dizem, mas uma queixa geral sobre a falta de encomendas: ""Austeridade" na cultura não destrói só o que existe, destrói o que fica impedido de existir". E o que "fica impedido de existir" é, entre outras coisas, "a criação contemporânea". O que temem é uma "área cultural (...) inteiramente colonizada, sem alternativa, pelos produtos mercantis, rotineiros e homogeneizadores das indústrias culturais". Dono por dono, preferem o Estado e os governos.»
Pacheco Pereira, in Sábado (06/09/2012)
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