Um poema cresce
inseguramente
na confusão da
carne.
Sobe ainda sem
palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como
sangue
ou sombra de
sangue pelos canais do ser.
Fora existe o
mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de
uva de onde nascem
as raízes
minúsculas do sol.
Fora, os corpos
genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
rios, a grande
paz exterior das coisas,
folhas dormindo
o silêncio
— a hora teatral
da posse.
E o poema cresce
tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum
poder destrói o poema.
Insustentável,
único,
invade as casas
deitadas nas noites
e as luzes e as
trevas em volta da mesa
e a força
sustida das coisas
e a redonda e
livre harmonia do mundo.
— Em baixo o
instrumento perplexo ignora
a espinha do
mistério.
— E o poema
faz-se contra a carne e o tempo.
[in Ofício Cantante — Poesia Completa, de Herberto Helder, Assírio & Alvim, 2009]
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